Passado, presente e futuro: o protagonismo e autonomia da mulher negra na construção de sonhos.
Por Julie Oliveira
O Complexo da Maré é um território construído a partir de estratégias e metodologias criadas, em sua maioria, por pessoas negras, migrantes nordestinos, angolanos, indígenas, mães solo e trabalhadores. Apesar de muito diferentes entre si, todas e todos têm algo em comum: a capacidade de sonhar.
Fernanda França, educadora social da Luta pela Paz, é uma dessas pessoas. Cria da Maré, nascida na Baixa do Sapateiro, uma das 16 favelas que formam o território, aprendeu a ler e escrever junto aos seus irmãos dentro de casa, onde sua mãe, Eliana, que sempre sonhou em ser professora, fez questão de ensiná-los antes mesmo de entrarem na primeira série do Ensino Fundamental.
Fernanda cresceu estudando em escolas públicas do território, sempre envolvida com organizações não governamentais que também têm como prioridade o acesso à educação. Foi no período entre o preparatório para Ensino Médio e curso pré-vestibular (CPV) que ela começou a perceber a Maré como lugar de potência, principalmente por ter que atravessar as barreiras invisíveis do território, ocupando diferentes favelas, sempre se esforçando para alcançar seu sonho de estudar Ciências – área que sempre gostou, mas que se apaixonou mesmo a partir de um projeto de pesquisa realizado enquanto era aluna de uma outra ONG da Maré. Depois de algumas tentativas, Fernanda passou para Biologia na UERJ, mas ainda precisou enfrentar muitas dificuldades para se manter na universidade.
“Houve um momento em que apenas a minha mãe acreditava em mim. Mesmo com muitas incertezas, ela sempre lutou para que eu também ocupasse o espaço acadêmico. Se hoje estou aqui, é porque ela abriu caminhos”, diz Fernanda.
Em 2008, começou a dar aulas para jovens adultos em cursos pré-vestibular e, em 2011, chegou à Luta pela Paz convidada por um ex-professor. A experiência de dar aulas para crianças e jovens da Maré foi um processo de reconhecimento e até de retorno ao passado, em que pôde se fortalecer a partir de narrativas semelhantes as de seus alunos. Foi então que Fernanda percebeu que não poderia dar aulas como os outros professores, que sempre levavam as mesmas referências “de fora”. Sua proposta foi começar a trabalhar com uma educação antirracista, em que apresenta para suas turmas inúmeras inovações tecnológicas que pessoas negras fazem, mostrando que existem diversas possibilidades de fazer o que ninguém espera de pessoas racializadas e faveladas.
A partir desse resgate de memórias, Fernanda fala sobre o símbolo Adinkra Sankofa, que significa “Volte e Pegue”. É representado por um pássaro que tem a cabeça virada para trás e carrega um ovo em seu bico, que significa o futuro. Aprendemos que é resgatando e ressignificando o passado que podemos construir conhecimentos e saberes para pensar um futuro negro. Esse é o diferencial da Luta pela Paz, que busca trabalhar a educação antirracista em todos seus pilares, o que faz com que essas trocas atravessem as paredes das salas de aula e alcancem muitas outras pessoas, impactando positivamente familiares e amigos dos alunos e alunas da LPP.
A história de Fernanda é uma das que compõem a Luta pela Paz. Quer continuar descobrindo outras narrativas potentes das #MulheresdaLuta? Então fique de olho aqui em nosso site e redes sociais.