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MULHERES DA LUTA – Raíssa Souza de Lima

A mestre faixa preta Raíssa na graduação de atletas de Judô na Luta pela Paz | Foto: Matheus de Araujo

Educadora esportiva de Judô, Raissa Souza Lima, 28 anos, começou como aluna na organização e hoje é instrutora de judô. Filha de mãe pernambucana e pai mineiro, ela é nascida e criada na Maré, onde eles se conheceram.

Raíssa é um exemplo do que é ser “campeã na vida”, uma meta e um valor essencial que a Luta pela Paz ensina às crianças e jovens que passam pela instituição. “Eu tive muitas conquistas referentes ao meu desenvolvimento, nunca fui uma boa atleta de competição de alto rendimento, sempre me interessei pela parte pedagógica do esporte. Em uma competição de judô, o prêmio era uma bolsa da faculdade e foi onde eu me esforcei ao máximo para conquistar, e consegui. Ganhei 50% e a Luta pela Paz me ajudou pagando os outros 50%. Terminei a faculdade, me formei faixa preta e hoje sou a educadora principal de judô da Luta pela Paz”.

Em setembro de 2022, Raíssa recebeu da Câmara Municipal do Rio de Janeiro uma Moção em reconhecimento ao trabalho realizado com mulheres e jovens no território da Maré. Raíssa também é fundadora do projeto “Pra Elas”, cujo objetivo é impactar positivamente a autoestima e a vida de mulheres com mais de 25 anos nas comunidades através de atividades esportivas funcionais e do desenvolvimento pessoal. O “Pra Elas” foi selecionado na primeira edição do Maré Unida, projeto realizado pela Luta pela Paz, com patrocínio da Petrobras, e Raíssa recebeu treinamento em gestão e desenvolvimento organizacional. 

“Ser mulher no esporte ou no meio profissional no qual eu atuo é ter que dar 200% sempre. É você sempre provar que sabe da modalidade na qual dá aula e nunca deixar se abater por comentários machistas”, diz a educadora, acostumada a enfrentar diversos desafios, inclusive aqueles que se colocam diante de mulheres simplesmente por serem mulheres.

“Hoje eu dou aula pra muitas meninas e muitos meninos e faço esse filtro para que os meninos observem as falas e aprendam com elas. É uma troca mútua e no judô há muito respeito.  Isso é levado em conta em toda a minha trajetória. Nas minhas aulas não pode faltar duas coisas: respeito e segurança. Assim, as aulas fluem com muita disciplina”.

Raíssa é moradora da Nova Holanda, mesma comunidade onde fica a sede da Luta Pela Paz. Sua história na comunidade é marcada por situações que atravessam a vida de muitas outras mulheres de lá, como a violência doméstica e a violência armada.

Morando na Maré temos alguns desafios. Quando sai tiro aqui de manhã e tem alguma coisa na faculdade e eu não posso sair, isso me entristece muito. Eu já perdi um trabalho porque estava saindo tiro e eu não pude sair de casa. Claro que muita gente não entende, né? Mas os professores são tranquilos. Tem muita gente com muito preconceito com as favelas, que não sabe o trabalho incrível que é realizado por aqui. Eu acho que o grande ponto alto da Maré, por exemplo, são as organizações que atuam aqui dentro. Tudo isso pra apoiar o crescimento dos jovens e adultos. Aqui na Luta Pela Paz, além das aulas de boxe e artes marciais, tem o reforço escolar, ensino de jovens e adultos, o desenvolvimento pessoal, as feiras de empregabilidade, assistência social, psicólogo… E é isso, a Luta Pela Paz pra mim é o ponto mais positivo que a gente tem aqui na Maré hoje. Ela me apoiou muito na questão familiar que era muito difícil, na questão profissional e na educativa. São estes três pontos importantíssimos e que sem o pessoal daqui eu não teria tido apoio nenhum.”   

A mestre faixa preta, Raíssa, na tatame onde acontecem as aulas de Judô, na Luta pela Paz | Foto: Acervo Luta pela Paz

Conheça abaixo um pouco da história de vida de Raíssa em suas próprias palavras:

“Quando eu era mais nova, até quatro anos de idade, morávamos na Rubens Vaz (outra favela do Complexo da Maré), eu, minha irmã e os meus pais. Nessa época, meu pai batia muito na minha mãe. Ele bebia muito, chegava em casa e agredia muito a minha mãe. Fui crescendo vendo isso. Quando eu tinha 9 anos, eu vi na televisão duas mulheres lutando. Pensei: – Cara, eu quero fazer luta.

Aos 9 anos eu já era super madura e fiquei determinada que faria luta. Meu pai me levou na Vila Olímpica. Mas a verdade é que eu queria fazer luta pra defender a minha mãe, para não deixar mais minha mãe apanhar do meu pai. Comecei a fazer karatê em outro projeto e comecei a ficar violenta. Até que eu dei um soco no olho do meu primo, porque ele tinha puxado o meu cabelo. Isso foi fora da aula, mas eu fui expulsa do karatê. 

Tinha dois amigos que faziam jiu-jitsu em outro projeto, numa outra ONG, e essa outra ONG passava o ensinamento de “bateu, tem que revidar mesmo“. Eu só fui ficando mais violenta. Fiquei nessa outra ONG dos 11 até meus 15 anos de idade. Nesse meio tempo, cheguei a brigar com o meu pai. Ele me bateu e eu revidei. A ONG fechou e eu precisava, na minha cabeça, continuar treinando pra me defender e defender a minha mãe e minha irmã. Foi aí que eu conheci a Luta Pela Paz e vim treinar boxe. 

Nessa época eu tinha 15 pra 16 anos e ainda estava com aquela mentalidade antiga de responder violência com violência. Mas quando eu comecei aqui, além dos esportes de luta, tinha também aula de cidadania (desenvolvimento pessoal). E foi essa aula que acabou me ajudando muito porque falava coisas reais sobre o cotidiano e sobre tudo o que acontecia na Maré e no mundo. Foi aqui na Luta pela Paz que eu tive o primeiro contato com uma psicóloga, que me ajudou muito. Ela conversou muito comigo. Além das aulas e da psicóloga, o Suporte Social foi o ápice pra mim, que me ajudou bastante e acabou me ajudando a mudar minha cabeça. 

Um dia, subi no último andar da Luta pela Paz, que eu ainda não conhecia e vi uma mulher dando aula. Nunca tinha visto, porque todos os meus professores eram homens até aí. Aí eu saí do boxe e entrei no judô. Essa professora ficou só um ano e eu comecei a ter aula com o Bira. O Bira conversava muito comigo, coisa de pai pra filha mesmo e isso foi muito legal pra mim porque era algo que eu nunca tive em casa. Eu nunca tive esse afeto paterno. O que o meu pai me mostrava era violência. Diferente do meu pai, o Bira me mostrou muito afeto e foi isso que me deu força pra continuar no judô. Assim, eu pude ir crescendo e amadurecendo mais e entendi que eu tinha que deixar o tempo ir levando e resolvendo algumas coisas.”

Foi treinando com o Bira que Raíssa demonstrou que “tinha jeito com criança”, e depois de começar a ajudá-lo nas aulas, acabou sendo contratada como monitora. Ao longo dos anos, se graduou faixa preta, passou a ser professora e hoje participa também dos treinamentos de educadores esportivos de outras organizações, dá palestras, inclusive fora do Rio de Janeiro, e se tornou a principal referência do judô na Luta pela Paz. 

Raissa é educadora do projeto Maré Unida, realizado pela Luta pela Paz com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, através da Lei Estadual de Incentivo ao Esporte do Rio de Janeiro. 

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