Fernanda França, educadora social da Academia Luta pela Paz (Brasil).
No Brasil, desde 2011 e através de uma lei federal, todo 20 de novembro é Dia da Consciência Negra. É o momento de homenagear e resgatar as raízes do povo afro-brasileiro através do reconhecimento a luta e resistência de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo Palmares, contra a escravidão de povos de origem africana. A programação de eventos sobre a temática racial, geralmente, se estende por todo mês e, sendo assim, chamada de Novembro Negro.
“Celebrar nos dias atuais a resistência do Zumbi, resgatar a história dos quilombos e a ressignificar, colocando na centralidade da história do Brasil, é, primeiramente, falar sobre negritude e aplicar, na prática, o significado de Sankofa.”, diz Fernanda França, coordenadora do Grupo Transversal (GT) de Raça e Etnia que é um grupo de trabalhadores da LPP que debatem a temática racial e incidem em todas as áreas da instituição, desde ao treinamento interno da equipe até criação de projetos. Os membros do GT têm uma carga horária semanal reservada para essas atividades.
Negritude é um termo criado em 1939 pelo francês Aimé Césaire que tinha a intenção de pleitear a identidade negra e sua cultura diante a cultura dominante e opressora da França.
Com o assassinato de George Floyd ano passado o debate sobre a temática racial ganhou força no mundo e, consequentemente, no Brasil.
“Mesmo com a quantidade alarmante de jovens e crianças negras morrendo no Brasil, somente após o caso George Floyd lá nos EUA que conceitos como antirracismo e racismo estrutural são conhecidos pelo senso comum daqui que ainda tem em sua base pensamentos que precisam ser desconstruídos como a democracia racial. É nesse contexto que urge falar com os nossos jovens sobre negritude no contexto brasileiro, que é o sentimento de orgulho da identidade afrobrasileira e conscientização do valor e da riqueza cultural dos negros diante da cultura colonizadora e dominante “, diz Diego Marcelino educador social e membro do GT de Raça e Etnia da LPP.
Em setembro de 2020 a Luta Pela Paz iniciou o Projeto Sankofa, que visa sistematizar a estratégia organizacional de Raça e Etnia e dar melhor apoio para jovens negros da Maré. O projeto recebe esse nome porque é inspirado num Adinkra de mesmo nome que significa “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”. Adinkras são símbolos que incorporam, preservam e transmitem aspectos da história, da filosofia, dos valores e das normas socioculturais dos povos acã (grupo linguístico da África Ocidental), e vêm sendo adotados na diáspora como parte da missão de recuperar e valorizar essas antigas tradições que compõem o legado ancestral africano.
Para melhorar o foco da LPP na temática racial, o projeto Sankofa tem oficinas de ideação com gestores e Grupo Transversal de Raça e Etnia visando o desenho de uma estratégia institucional, treinamento interno da equipe e capacitação de Organizações Sociais Parceiras, desenho de novos projetos dessa temática e contratação de um/a jovem estagiário/a negro/a.
O Projeto Sankofa também tem ações diretas com os jovens que estão dentro da Narrativa Sankofa criada pelo GT de Raça e Etnia da Luta Pela Paz. As ações diretas são Jovens Sankofa (estratégia de incidência), Eventos Sankofa e Pretos em Roda (oficinas de masculinidades negra) e a Campanha ABCSankofa.
“Não basta um projeto ter como público alvo jovens negros e ser liderado por pessoas negras. É preciso que os objetivos e estratégias do projeto estejam alinhados com as ideias do movimento negro, assim como a conduta dos líderes dos projetos e o posicionamento o institucional da LPP. Daí que surge a necessidade da criação da Narrativa Sankofa que servirá de base inicial para os futuros projetos de temática racial da LPP.” , diz Fernanda França. Desta forma a LPP avança para a adoção de iniciativas que promovam a inclusão e que seja pautada no conceito e movimento da negritude. Ações que não reproduzam discursos e práticas racistas e que tenham os ousados objetivos de propiciar a abertura de espaços políticos para que as reinvindicações dos jovens negros possam ser repercutidas, especialmente quando a liderança conquistada for resultado de um projeto coletivo, resgatar e produzir conhecimento a partir da memória do nosso território, remover obstáculos para ascensão de novas lideranças negras, manter espaços permanentes para debates e eventual revisão de práticas institucionais tendo os jovens negros como protagonistas desses processos, promover o acolhimento e possível composição de conflitos raciais e de gênero e oferecer formação continuada para todos como um dos objetivos das ações e, portanto, desmantelar narrativas discriminatórias que sempre colocam negros em locais de subalternidade, dentro e fora da Maré.