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CONHEÇA AS HISTÓRIAS DAS TRÊS MULHERES QUE SE TORNARAM INSPIRAÇÃO PARA OUTRAS JOVENS

Jô, Miriam e Raíssa contam como superaram os desafios da vida com a ajuda da Luta pela Paz.

Jô Mello

Maria do Socorro de Mello, mais conhecida como Jô, tem 30 anos e frequenta a Luta pela Paz há 7 anos. Aqui ela nos conta um pouco da sua história e porque ela é uma das mulheres de coragem da organização.

“Quando eu vim do Ceará para o Rio de Janeiro, eu estava casada. Morei na Vila do Pinheiro por 4 anos antes de me mudar para a Nova Holanda. Essa mudança foi um processo muito complicado pois eu estava me separando do meu ex-marido e saindo de um relacionamento extremamente abusivo. Fui agredida inúmeras vezes. Num momento, a agressão foi tão brutal que fiquei com rosto deformado. As marcas e cicatrizes sumiram, mas durante muito tempo fiquei medo e vergonha de falar sobre o assunto. Entrei em depressão e uma grande amiga me apresentou a Luta pela Paz. Comecei a fazer luta para poder me defender e para me ajudar a sair da depressão.

O esporte e a Luta pela Paz me ajudaram muito. O pessoal daqui com os acompanhamentos, as aulas de cidadania (desenvolvimento pessoal) que me fizeram abrir mais minha mente. Hoje voltei a morar lá na Vila do Pinheiro, mas não sinto medo nenhum de estar lá, nem de encontrar meu ex-marido. Não tenho medo muito menos ódio. Por todas as coisas que conheci, pelas pessoas que abriram minha cabeça, sei que posso agir de outra forma. Existem leis que me apoiam, então conhecer a Luta pela Paz e absorver todo o conhecimento que adquiri durante esses anos, fez com perdesse esse medo que existia em mim”.

Jô nos conta o que mais a ajudou em todo esse processo de superação:

“Eu peguei um amor muito grande pelo esporte. Sou praticante de muay thai e hoje instrutora e monitora aqui na Luta pela Paz. O muay thai requer muita disciplina, o que é essencial. A disciplina do muay thai em conjunto com as aulas de desenvolvimento pessoal me ajudaram muito a mudar e isso foi essencial para minha vida. Na época que conheci o muay thai, era a única mulher competidora da equipe. Hoje existem outras meninas treinando e competindo, mas na época só tinha eu, então ficava com receio de fazer algo de errado e ficar afastada dos treinos. Hoje não tenho mais medo por que sei que não vou fazer nada de errado, mas no início eu tinha muito medo pois não queria deixar de praticar a luta e deixar de ser um exemplo para outras meninas”.

Jô ressalta que ser um exemplo para outras meninas é uma grande responsabilidade. Por ter um temperamento mais explosivo, ela diz que no começo ela não queria essa responsabilidade de ser uma inspiração, mas hoje com a disciplina e aprendizado que a arte marcial trouxe, ela está mais tranquila em relação a isso. Apesar disso, Jô também tem suas inspirações na Luta pela Paz.

“Eu tenho uma musa aqui dentro, mas ninguém sabe, nem ela mesmo. Eu sou muito fã da Carol (gerente da academia). Ela tem uma história muito bonita dentro da Luta pela Paz, onde começou no boxe e após muita dedicação e trabalho se tornou gerente da Academia. Eu me inspiro muito nela. Em todas as confusões que aconteceram na minha vida, eu sempre a procurava para conversar e ela sempre muito calma me dizia que não ia desistir de mim e me ajudava. Ela sempre acreditou em mim e no meu potencial. Hoje eu agradeço porque se ela tivesse desistido, eu não saberia o que eu estaria fazendo da minha vida. E para você sair de algumas coisas, precisa de coragem, você como mulher encarar esse mundo machista onde tudo é motivo de preconceito, requer muita coragem pra encarar milhões de coisas. Por isso guardo dois valores da LPP comigo: coragem e inspiração. Pode vir o que vier, vamos encarar, não vamos desistir e não vamos aceitar mais qualquer tipo de violência e preconceito. Eu tento sempre representar as mulheres da melhor forma possível e mostrar para elas que eu estou ali, dando apoio e força, mostrando pra elas que elas não estão sozinhas e que elas podem crescer, evoluir e se tornarem campeãs!”.

Raíssa Lima

“Eu moro com a minha irmã mais nova, de 16 anos, e com a minha mãe aqui na Nova Holanda (uma das 16 favelas que compõe o Complexo da Maré). Minha mãe se mudou tem pouco tempo pra cá, porque estava morando em Santa Cruz. Minha relação com a minha irmã é um pouquinho difícil, mas a gente tenta apaziguar no dia a dia. A gente tenta. Eu sinto muita responsabilidade por ela. Acho difícil ser a irmã mais velha, principalmente nos momentos que minha mãe não está por perto. 

Quando eu era mais nova, até quatro anos de idade, morávamos na Rubem Vaz (outra favela do Complexo da Maré), eu, minha irmã e os meus pais. Nessa época, meu pai batia muito na minha mãe. Ele bebia muito, chegava em casa e agredia muito na minha mãe. Fui crescendo vendo isso. Quando eu tinha 9 anos, eu vi na televisão duas mulheres lutando. Pensei: “Cara, eu quero fazer luta”. Aos 9 anos eu já era super madura e fiquei determinada que faria luta. Meu pai me levou na Vila Olímpica. Mas a verdade é que eu queria fazer luta pra defender a minha mãe, para não deixar mais minha mãe apanhar do meu pai. Comecei a fazer karatê em outro projeto e comecei a ficar violenta. Até que eu dei um soco no olho do meu primo, porque ele tinha puxado o meu cabelo. Isso foi fora da aula, mas eu fui expulsa do karatê. 

Tinha dois amigos que faziam jiu-jitsu em outro projeto, numa outra ONG, e essa outra ONG passava o ensinamento de “bateu, tem que revidar mesmo“. Eu só fui ficando mais violenta. Fiquei nessa outra ONG dos 11 até meus 15 anos de idade. Nesse meio tempo, cheguei a brigar com o meu pai. Ele me bateu e eu revidei. A ONG fechou e eu precisava, na minha cabeça, a continuar treinando pra me defender e defender a minha mãe e minha irmã. Foi aí que eu conheci a Luta Pela Paz e vim treinar boxe. 

Nessa época eu tinha 15 pra 16 anos e ainda estava com aquela mentalidade antiga de responder violência com violência. Mas quando eu comecei aqui, além dos esportes de luta, tinha também aula de cidadania (desenvolvimento pessoal). E foi essa aula que acabou me ajudando muito porque falava coisas reais sobre o cotidiano e sobre tudo o que acontecia na Maré e no mundo. Foi aqui na Luta pela Paz que eu tive o primeiro contato com uma psicóloga, que me ajudou muito. Ela conversou muito comigo. Além das aulas e da psicóloga, o Suporte Social foi o ápice pra mim, que me ajudou bastante e acabou me ajudando a mudar minha cabeça. 

Um dia, subi no último andar da Luta pela Paz, que eu ainda não conhecia e vi uma mulher dando aula. Nunca tinha visto, porque todos os meus professores eram homens até aí. Aí eu saí do boxe e entrei no judô. Essa professora ficou só um ano e eu comecei a ter aula com o Bira. O Bira conversava muito comigo, coisa de pai pra filha mesmo e isso foi muito legal pra mim porque era algo que eu nunca tive em casa. Eu nunca tive esse afeto paterno. O que o meu pai me mostrava era violência. Diferente do meu pai, o Bira me mostrou muito afeto e foi isso que me deu força pra continuar no judô. Assim, eu pude ir crescendo e amadurecendo mais e entendi que eu tinha que deixar o tempo ir levando e resolvendo algumas coisas. Acabou que depois de um tempo, meu pai e minha mãe separaram. Nesse dia, eu fiquei muito feliz, porque minha mãe sofria na mão dele. 

Foi treinando com o Bira que, depois de um tempo, ele viu que eu tinha jeito com criança, em ajudar ele na aula, e me chamou pra ser monitora dele. Em 2019, fui contratada como estagiária na Luta pela Paz e dou aula de judô em seis escolinhas, quatro aqui na Maré, uma de Ramos e uma no Andaraí. É difícil conciliar tudo, mas tendo horário vago na faculdade, eu vou. Além de ser estagiar aqui no judô da LPP, dar aula em escolinhas e treinar, eu faço faculdade de Educação Física lá no Celso Lisboa, no Engenho Novo. Consegui uma bolsa de 50% e pago a outra metade. Consigo ajudar a minha mãe também que está desempregada. Eu me sento muito responsável por tudo, né? Além disso, minha irmã não estava estudando e corremos atrás de matrícula na escola pra ela retomar os estudos. Agora que conseguimos, estou muito feliz dela estar no nono ano.”

SONHOS E FUTURO 

“Eu sei que quando eu falo de sonho, de futuro, acabo sempre falando de muita coisa material. Mas eu sei que eu só vou conseguir isso tudo fazendo o que eu gosto e acredito. Sonho em ter minha casa própria, meu carro… Ter meu diploma, que é a coisa que eu mais venero na minha vida. Também quero conquistar a minha faixa preta. 

Quando eu entrei aqui minha meta era completamente outra. A Luta pela Paz foi importante na minha vida. Profissionalmente, quando eu era pequena, meu sonho era ser atriz. Hoje quero dar aula, lidar com crianças. Estou fazendo um curso de extensão na PUC de Psicomotricidade em Práticas Educativas pois consegui uma bolsa. Estou aprendendo sobre psicomotricidade, do que pode o que não pode fazer. Por exemplo, a criança não pode ter uma rotina. Isso acaba gerando um desgaste no crescimento dela. Nessa idade é muito importante a evolução e a rotina que ela própria está desenvolvendo. E isso é algo que eu lembro sempre durante o meu estágio aqui da Luta pela Paz e nas outras escolinhas. Quando as crianças estão separadas em grupos fazendo alguma coisa, cada grupo está criando alguma coisa, vivendo alguma história. Elas sempre tão criando algo construtivo naturalmente, que as vezes a gente de fora vê como bagunça, mas é o pensamento delas. 

Morando na Maré temos alguns desafios. Quando sai tiro aqui de manhã e tem alguma coisa na faculdade e eu não posso sair, isso me entristece muito. Eu já perdi um trabalho porque estava saindo tiro e eu não pude sair de casa. Claro que muita gente não entende, né? Mas os professores são tranquilos. Tem muita gente com muito preconceito com as favelas, que não sabe o trabalho incrível que é realizado por aqui. Eu acho que o grande ponto alto da Maré, por exemplo, são as organizações que atuam aqui dentro. Tudo isso pra apoiar o crescimento dos jovens e adultos. Aqui na Luta Pela Paz, além das aulas de boxe e artes marciais, tem o reforço escolar, ensino de jovens e adultos, o desenvolvimento pessoal, as feiras de empregabilidade, assistência social, psicólogo… E é isso, a Luta Pela Paz pra mim é o ponto mais positivo que a gente tem aqui na Maré hoje. Ela me apoiou muito na questão familiar que era muito difícil, na questão profissional e na educativa. São estes três pontos importantíssimos e que sem o pessoal daqui eu não teria tido apoio nenhum.”   

Miriam Parga

Há nove anos, Miriam mal sonhava em ser competidora. A jovem treinava MMA em uma academia local perto da Maré até que um dia a professora a elogiou por sua disposição e perguntou o motivo dela não competir. Ela demonstrou interesse, mas não sabia onde começar e foi assim que essa professora a apresentou à Luta pela Paz.

Miriam nos conta, ainda, que nesse primeiro dia já conheceu Raíssa, atual monitora de judô da Luta pela Paz e amiga: “O meu primeiro sparring foi com a Raíssa e eu fui que nem uma doida para cima dela. Mas depois dessa luta a gente virou amiga de cara. A Raíssa foi um dos presentes que eu descobri aqui na Luta pela Paz. Ela sempre foi essa pessoa extrovertida, maravilhosa. E eu sempre digo e repito: Se alguém não gosta da Raíssa, não gosta de si próprio. Depois disso, já viajamos juntas para competir. Ela me apoiou muito e vice-versa”.

A jovem nos conta sobre a sua primeira luta e que o apoio da amiga foi fundamental: “Fiquei muito nervosa, tanto que disse que só subiria se a Raíssa subisse também e ficasse no corner comigo. Lembro que ela ficava me incentivando. Não sabíamos direito o que estávamos fazendo pois estávamos começando mas foi uma época muito boa.  A Raíssa sempre me dava conselho. Eu que sempre fui tímida, no começo era ainda pior. Quando tinha aula de Cidadania, então, que hoje é a aula de Desenvolvimento Pessoal, eu não abria a boca! Mas a Raissa me ajudou muito a superar essa timidez, assim como as aulas que incentivavam a gente a participar e falar.”

Miriam conta ainda que, no início, era muito agressiva e acredita que muito de sua mudança se deve, tanto à Luta pela Paz, quanto às amizades que fez na organização:  

“Eu era muito agressiva. Graças a Deus hoje eu não sou mais. Naquela época eu não sabia nada direito ainda. Além disso, quando eu entrei aqui eu era muito, muito tímida também.  E eu gosto de dizer que foi com a Luta pela Paz que eu me desenvolvi não só na luta, como na vida. Eu não falava nada, nada mesmo. Eu entrava, treinava, participava de tudo o que eu tinha que participar direitinho, mas não queria abrir a boca pra falar. Nessa época a professora de Desenvolvimento Pessoal já era a Rosane e ela também me motivava muito. Ela sempre soube que eu era tímida, calada, e fazia eu me esforçar para falar também. Quando eu tinha dúvidas, eu sempre ia até ela, perguntava, conversava sobre tudo. Hoje eu sinto como se aqui fosse a minha casa. Se deixar, eu não saio mais. Eu brinco que eu só saio daqui se me expulsarem. Foi aqui eu encontrei os meus amigos. As pessoas que me dão o ombro pra chorar, abraçar, chorar… Eu aqui aprendi tudo isso:  CHORAR, FALAR, CONVERSAR, tudo isso (risos). Foi aqui mesmo que eu aprendi tudo e ainda aprendo.“

Miriam lembra, ainda, que a mudança não foi só dela. A Luta pela Paz também mudou e muito nestes anos:

“Quando eu entrei não tinha muita mulher lutando não. Era só eu, Raíssa, Mara, a Rebeca que era novinha, nem lembro quantos anos ela tinha. Até nas próprias aulas, em geral, não tinha muita menina também. E é muito bom escutar das mulheres hoje, de muitas delas, que nós fomos a inspiração para elas começarem. Isso dá muita força pra gente, porque eu mesmo já pensei muitas vezes em parar de lutar, mas reebia apoio das outras alunas e muitas se tornaram minhas amigas. Hoje tem muita mulher lutando aqui com a gente e é nosso maior orgulho!  Algumas entram só pelo exercício mesmo, mas outras já entram com a ideia de competir, de ir além. Sempre que eu penso em parar de competir, ainda assim, eu não penso em parar de treinar não, de estar ativa de outras formas, seja como treinadora, monitora. Eu quero sentir essa mesma emoção como treinadora. Porque hoje eu já sinto vendo as minhas amigas. A gente tá lutando juntas porque eu sei o que elas tão passando.”

Miriam sabe o quanto essa palavra de motivação faz toda a diferença:

“Muitas alunas que sofrem com baixa autoestima. Então sempre tem que ter alguém dando um apoio, uma atenção. Isso é algo muito importante. Às vezes, você percebe que  alguma aluna não está focada e se você aponta uma direção pra ela, já vai fazer muita diferença. Às vezes, tudo o que você precisa é dizer alguma palavra que já ajuda. Eu lembro quando eu era mais jovem, essa palavra de força que me fazia seguir em frente. Às vezes eu sabia que nem estava boa ainda, mas isso me motivava. Foi assim que eu nunca desisti, mesmo sendo mulher no esporte. Você sabe que ser mulher nesse meio não é fácil. Já escutei muita coisa. Que eu era sapatão, mulher macho, que isso não era coisa de mulher casada, que eu tinha dois filhos pra criar, que isso não ia me levar a lugar nenhum. Até mesmo quando eu voltei a estudar, aqui na Luta pela Paz, que achei que ia ter apoio da minha família, as pessoas desacreditavam que eu ia chegar em algum lugar. Me diziam para ir buscar um trabalho. Falavam esse tipo de coisa para mim, mas eu nunca dei ouvidos. É engraçado que hoje em dia todo mundo me incentiva a continuar.”

Olhando para trás, Miriam hoje entende que o seu comportamento explosivo tinha uma razão:

“Eu cresci sem ter uma infância, sem saber o que era brincar de boneca. Desde muito nova, aos 8 anos, já fazia comida, lavava roupa, cuidava dos meus irmãos e via meu pai espancando a minha mãe. Isso pra mim era a pior parte. Não vou mentir que no início eu entrei na luta pensando em aprender a me defender. Hoje eu entendo que aquilo era ódio que eu tinha guardado dentro de mim. Eu pensava que um dia aquela situação de violência iria acontecer e eu tinha que saber como reagir. Eu não pensava como eu penso hoje. Por ser a mais velha, me sentia mãe dos meus irmãos. Hoje eu sirvo sim de exemplo porque nenhum dos meus irmãos terminou os estudos. Eu sou a única. Eu consegui! Graças a Deus e à Carol (gerente da Academia Luta pela Paz, aqui na Maré, e ex-aluna do boxe – sendo uma das primeiras alunas mulheres da organização). Tenho uma irmã que entrou agora na escola de tanto que eu a incentivei. Aos poucos, eu vou mudando a cabeça das pessoas.”

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