Por Matheus de Araujo
A realidade vivida nas periferias, em especial nas grandes cidades, faz com que moradores e moradoras, muitas vezes, duvidem de suas capacidades. As limitações de um maior conhecimento de mundo para além do território, a dificuldade do acesso à educação, em especial ao ensino superior, e menos oportunidades no acesso qualificado ao emprego e à renda são algumas das causas que impactam na autoestima de moradores e moradoras dessas regiões, resultando na crença de que alguns espaços e posições não foram feitos para essas pessoas.
Conhecendo um pouco da história da Arícia Vidal, podemos entender como investir na educação e no esporte dentro desses territórios pode ser a ferramenta necessária para romper algumas destas barreiras.
Arícia tem 27 anos e é nascida e criada na Maré, complexo de favelas da zona norte do Rio de Janeiro. Uma jovem que nunca deixou de viver no território que a construiu, tanto pelo convívio familiar quanto pela rede de afetos que estabeleceu ali ao longo da sua vida. Trabalhando desde mais nova para ajudar nas despesas da casa e ter seu próprio dinheiro, mas já almejando um futuro melhor, Arícia conciliava o trabalho em uma pet shop com as aulas do pré-vestibular de uma ONG perto de sua casa. No meio disso tudo, pode realizar uma iniciação científica como jovem aprendiz na UFRJ, em parceria com o Museu da Maré. Segundo Arícia, este foi o primeiro espaço onde ela pôde pensar a Maré de uma forma diferente do que é retratada pelas grandes mídias. A oportunidade de transpassar este “muro social” deu resultado: hoje Arícia está se graduando em Biologia, na mesma universidade.
“Pra quem está na Nova Holanda [uma das 16 favelas que compõem o Complexo da Maré] olhando o prédio do hospital do Fundão, lá do outro lado [do Canal do Cunha], acha que tem uma distância absurda, e quando você chega lá, a gente vê que essa distância física não é nada. A distância é social”, reflete a futura bióloga.
Os exercícios físicos nunca foram o foco de Arícia por ela se considerar uma pessoa com pouca força e desastrada, mas quando entrou para o Destemidas, projeto da Luta pela Paz voltado para mulheres, ela se encontrou em um lugar de força, agilidade e potência. Essa descoberta pessoal permitiu que ela desvendasse outra modalidade que se tornaria sua segunda casa: a Capoeira. Logo, a menina que se achava fraca tornou-se uma mulher de garra. Hoje, Arícia é educadora esportiva de Capoeira do Maré Unida, projeto realizado pela Luta pela Paz com patrocínio da Petrobras.
“Trabalhar com as crianças, com métodos educativos que não são convencionais, como o esporte por exemplo, é uma das maiores maravilhas da aprendizagem. Acredito que a gente pode aprender várias coisas através da interdisciplinaridade. Trabalhar a Capoeira sendo uma graduanda na área científica é algo que tem aberto os meus horizontes”, relata Arícia, apontando o desafio e a paixão de ensinar. A Capoeira, para ela, é uma manifestação cultural afro-brasileira que abraça todas as diferenças e limitações de todos os corpos, de todas as pessoas. “A partir do momento que a linguagem é simples, que os movimentos se adequam a cada tipo de corpo, a Capoeira se torna um espaço de integração, acolhimento, aprendizado sobre a nossa história, e energia. Quando eu entro numa roda e entrego a minha energia ali, ela retorna multiplicada. Isso renova o meu espírito”, completa a educadora.
Quando se graduou na Capoeira, seu entusiasmo cresceu por entender que suas habilidades, mesmo sendo iniciante, tinham muita importância nesse espaço. A jovem aponta, ainda, que a modalidade, ainda que ancestral, sofreu interferências sociais do cotidiano a ponto de se tornar extremamente machista em diversas rodas e eventos. Neste sentido, Arícia reforça o quanto sua madrinha, Priscila Felíssimo, outra educadora esportiva de Capoeira do Maré Unida, foi importante como referência em atitude e habilidades, bem como no apoio às mulheres e meninas no esporte.
Algumas conquistas são marcantes para a jovem, como estar se formando na faculdade e saber tocar instrumentos musicais, mas considera que ter se tornado educadora esportiva de Capoeira na Luta pela Paz foi a mais importante delas. Para além do reconhecimento de suas capacidades e o respeito no ambiente de trabalho, a jovem diz que um grande diferencial foi ter a sua carteira de trabalho assinada, superando a insegurança financeira – um direito que é constantemente violado sociedade afora, em especial para moradoras e moradores de favelas e periferias.
“Sonho não é a mesma coisa que meta. O meu maior sonho, por enquanto, é só uma meta que pode virar sonho se ela continuar sendo alimentada”, aponta Arícia, quando fala um pouco sobre sua visão de futuro. Ela considera como a sua maior missão, enquanto educadora, ajudar que crianças e jovens não se deixem levar pelas suas inseguranças. Com as barreiras que Arícia já rompeu, com o foco e a determinação que ela encontrou ao longo dessas conquistas, não temos dúvida de que sua missão está sendo cumprida. E que este é só o começo.