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Especial: Dia do Psicólogo com Stallone Abrantes

O dia 27 de Agosto de 1962 é um marco para a Psicologia no Brasil. Durante muito tempo, profissionais de diversas áreas (Educação, Filosofia, Medicina, entre outros) vinham exercendo e ensinando a Psicologia em cursos de Filosofia e Pedagogia, de maneira informal e não estruturada, encontrando muita resistência contra a prática psicoterapêutica.

Porém, foi nesta data que, através da Lei nº 4.119, foi regulamentada a profissão de psicólogo no Brasil e a partir estruturaram-se cursos e a faculdade de Psicologia – que hoje é pré-requisito básico para que se exerça a profissão. Mesmo assim, ainda hoje, 77 anos depois, o exercício da Psicologia ainda é visto com certo ceticismo ou desconhecimento por grande parte da população.

Pensando nisso, convidamos Stallone Abrantes (28), psicólogo da Luta pela Paz, para uma conversa a fim de desmistificar um pouco como é o trabalho deste profissional da saúde que trata do comportamento humano, lidando com seus sentimentos, frustrações e traumas do cotidiano, através do diálogo. E, também, como é ser psicólogo aqui na Luta pela Paz.

Luta pela Paz (LPP): Conta para a gente um pouco mais como foi que você conheceu a Psicologia e porque escolher esta profissão?

Stallone: Já faz um bom tempo que venho tentando responder essa pergunta, inclusive ela sempre volta de alguma maneira. Talvez não tenha uma resposta fechada ou definitiva, mas algumas pistas que me levam a pensar sobre ela: eu venho de uma cidade no sertão, com pouco mais de 60 mil habitantes e que algumas profissões só passaram a ter um lugar na última década. Quando criança eu pensava que iria ser serralheiro ou taxista, que eram as profissões dos meus irmãos e do meu pai, respectivamente. O único curso que eu sabia que havia na faculdade na cidade que eu cresci e nasci era para “trabalhar ensinando”, o que depois descobri ser a formação de professores. Nos primeiros anos do ensino médio, numa escola estadual do centro da cidade, eu cogitava ser professor de história, mas a chave girou quando uma professora de português, a Mazé, levou sua filha psicóloga em uma das atividades da escola. Já nos corredores, em uma conversa informal, ela me contou um pouco sobre seu trabalho. Aquela conversa inquieta gerou muito burburinho em mim, e por incrível que pareça, no ano que eu prestaria vestibular na Universidade Federal de Campina Grande foi o ano em que abriu o curso de Psicologia. Logo, fui da primeira turma de Psicologia, na cidade de Campina Grande.

LPP: E, uma vez na faculdade, teve alguma coisa que mais te chamou a atenção dentro da Psicologia? Ou alguma coisa que você desconhecia?

Stallone: A faculdade foi uma época muito intensa, com tudo que essa palavra carrega. Primeiro porque me mudei para uma cidade que fica à mais de 300 quilômetros da minha cidade de origem. Na minha mudança muita coisa era novidade e, lá estava a Psicologia. Totalmente desconhecida, pois única imagem que eu tinha de um psicólogo, além da filha de minha professora, era de um senhor psicólogo que trabalhava no DETRAN, e que vez por outra esbanjava sua Brasília pelas ruas da cidade. No curso de Psicologia eu fui conhecendo aos poucos os detalhes, os campos, as áreas e as histórias da Psicologia. Logo no primeiro período acabei iniciando um projeto numa Unidade de Saúde da Família na periferia da cidade. Foi uma experiência muito rica e ao mesmo tempo que bastante desafiadora. A Psicologia apareceu assim, primeiro dentro de um carro velho, depois em um lugar sem saneamento básico, esquecido por parte de nossos governantes, mas com uma potência enorme, com a população lutando por direitos e um território amplamente rico de cultura e sabedoria. Transitei na Psicologia por muitos lugares, tais como a Saúde Mental, as questões de gênero e sexualidade, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Tive o privilégio de conhecer Paulo Freire e Martin Baró, ambos marcantes na formação de um pensamento calcado na prática, descolonizado e diverso. Foi unindo a Psicologia Comunitária, a Clínica e as questões de Gênero e Sexualidade que eu fui pensando sobre a minha formação e a Psicologia que eu acredito. Ah, eu desconheço muita coisa, e acabo sendo surpreendido até hoje com muita coisa e isso é o babado da profissão.

LPP: Como foi sua experiência profissional antes da Luta pela Paz? 

Stallone: Já trabalhei em um serviço de saúde com ênfase em comunidades rurais em 2015; desenvolvendo oficinas sobre Violência de Gênero das escolas municipais do Rio em 2016; também neste ano trabalhei com projetos de transferência de renda para mulheres contempladas pelo Programa Bolsa Família com o Instituto Promundo; fiz parte do Coletivo PreparaNem, trabalhando com a inserção de LGBTQIs nas universidades e mercado de trabalho e, de lá pra cá, contribuí em ações e projetos voltados para a temática de Gênero e Esporte, já cliniquei, já fiquei desempregado… Na clínica, eu atendi muitos públicos, mas especialmente o público LGBTQI, na qual aprendi sobre acolhimento, vida e coragem. Já, nos últimos 4 anos, tenho me dividido em trabalhar no terceiro setor* e também na Academia (Universidade). São dois mundos totalmente diferentes que precisam estar sintonizados. E eu diria que, mais do que nunca, a Universidade precisa se refazer e aprender com o pessoal que está aqui, trabalhando na ponta.

LPP: E trabalhando no terceiro setor, como você conheceu a Luta pela Paz? 

Stallone: O primeiro contato que tive com a Luta pela Paz foi quando trabalhava em uma outra ONG. Posteriormente, esse contato foi consolidado durante a seleção para a vaga de psicólogo(a).

LPP: Agora falando, já da sua experiência trabalhando aqui na Maré, na Luta pela Paz… Quais você acredita que foram os maiores desafios que você encontrou? 

Stallone: Desafios são inúmeros. Desde a construção de um serviço da Psicologia no contexto de favela, até a chegada das demandas variadas todos os dias. Graves questões em torno da saúde mental de alunos(as) e familiares tem sido desafio freqüente e, infelizmente, no contexto nacional que estamos vivendo a situação pode complicar ainda mais.
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LPP: Na sociedade de hoje, o que você vê como principais os principais desgastes na saúde mental de crianças e jovens? E o que cabe aos profissionais da área e pessoas, em geral, fazer para ajudar em casos de sofrimento psíquico?

Stallone: Esta é uma pergunta difícil, pois talvez seja difícil responder. Mas tentarei seguir algumas pistas. Há nas relações sociais algumas violências estruturantes que geram um sofrimento e um auto-ódio, como é o caso do racismo, da LGBTQIfobia, da xenofobia e do classismo, por exemplo. Tentei citar alguns para ilustrar, mas a lista é imensa. E, assim, é essencial que a gente entenda que isso está na base de nossa sociedade e que não é nada tranqüilo para se pensar a todo tempo. Isso acarreta um desejo constante de aceitação perante às demandas sociais, e aí esta a crueldade disso tudo: a juventude em especial está sendo massacrada, pois precisa estar apta a um mercado de trabalho que muda a todo tempo, precisa seguir um padrão estético que não representa a sociedade brasileira e precisa acreditar que vai chegar a um lugar, bastando que se esforce para isso. E a gente sabe que não é bem assim… Já, pensando no contexto da favela, o buraco é mais fundo. Uma pista importante é que possamos estar atentos para escutar esses jovens e adolescentes e, ainda que não saibamos o que fazer, acolher estas pessoas é fundamental. Além disso, é importante que essas pessoas possam contar com uma rede de apoio ou de serviços. Quando falo em “rede”, estou falando da necessidade de fortalecimento dos laços dentro da própria comunidade… Família, amigas e amigos , vizinhos… Porque há uma potência nessas redes que, por vezes se encontram fragilizadas, e que precisam estar fortalecidas, pois muitas vezes representam o principal elo da pessoa (em situação de vulnerabilidade ou de sofrimento psíquico acentuado) com o mundo. Mas não só estes. Esta rede se estende ao conhecer os serviços presentes do território também, que vão desde a Associação de Moradores até um serviço mais complexo, como um hospital, por exemplo. É com os profissionais da rede que se desenvolve um outro tipo de cuidado. Para isso, é preciso saber onde esses profissionais estão, principalmente no contexto da favela.

LPP: Além dos desafios, como é o dia a dia do trabalho de um psicólogo aqui na Luta pela Paz? 

Stallone: O trabalho da Psicologia na Luta pela Paz está sendo construído. Mas, eu tive sorte de estar numa equipe com sete mulheres incríveis e que desenvolvem um trabalho primoroso. Acredito que as constantes operações policiais e a falta de investimento público em muitos serviços na Maré têm agravado muito a saúde das pessoas. A demanda de trabalho tem crescido cada vez mais, porém o trabalho com os jovens, os adolescentes e as famílias tem sido um presente, principalmente ao ouvir depois de cada um destes encontros um “Que dia eu volto semana que vem?”. Cada dia na Luta pela Paz é um aprendizado. A gente aprende muito e acaba crescendo muito como pessoa.

LPP: Se você tivesse que deixar uma mensagem para algum jovem que pretende seguir na profissão, o que você diria?

Stallone: Eu acredito que (a Psicologia) é uma profissão muito incrível. Acho que as jovens e os jovens que desejem seguir nessa profissão precisam saber que, nós psicólogos e psicólogas, precisamos estar sempre aptos a aprender. Deseje sempre estar atento ao que escuta e se interesse profundamente por histórias. Histórias estas que, na maioria das vezes, no contexto de favela, por exemplo, podem não ser das mais alegres. Contudo, são nesses contextos que o trabalho do psicólogo pode e deve contribuir para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas. E esse será o seu desafio: sair da sala do consultório e estar atento a outros lugares.

  • Terceiro Setor é um termo utilizado para definir organizações de iniciativa privada, sem fins lucrativos e que prestam serviços de caráter público.

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