Promovida pela equipe de Suporte Social, as rodas de masculinidades incentivam escuta, construção coletiva e novas possibilidades de ser homem na favela

“Às vezes eu acho que superei, mas é só falar da minha avó que a voz embarga.” É assim, com emoção e verdade, que Jorge Martins, assistente social da LPP, fala sobre uma de suas maiores referências de cuidado.
Criado por sete mulheres negras – entre tias, primas e a avó que o moldou – Jorge viveu o afeto como estrutura desde cedo, mas só mais tarde entendeu que aquele amor era também virilidade. Só depois, com a paternidade, a universidade e a escuta coletiva, é que foi possível nomear o que sempre esteve ali. E talvez por isso seja ele, hoje, o rosto e o corpo por trás das rodas de conversa sobre masculinidades promovidas pelo Suporte Social da LPP, no Complexo da Maré.

A atividade, que faz parte do projeto Maré Unida, mais do que um espaço de fala, é um território simbólico onde homens negros e periféricos podem questionar o que aprenderam sobre ser homem – muitas vezes à base da dureza, do silêncio e da violência.
Num mundo que insiste em moldar os afetos masculinos com repressão e medo, abrir espaço para falar sobre dor, sobre raiva, sobre cuidado e desejo de mudança é ir na contramão de uma estrutura que adoece.
É nesse contexto que, quinzenalmente, jovens atendidos pela LPP se reúnem para falar sobre o que sentem, o que vivem e o que sonham ser. E Jorge está no centro dessas rodas, mas não como quem ensina, e sim como quem também se transforma junto com essas histórias. “A roda me atravessa tanto quanto atravessa os meninos. Foi ali que percebi que ainda precisava falar da minha avó, do luto, da minha criação… Às vezes eu achava que estava curado, mas não tava’’, comentou.
O Suporte Social como estratégia de cuidado estrutural

Na Luta Pela Paz, o eixo Suporte Social é o que garante que os jovens não sejam vistos apenas como atletas ou números. O trabalho passa por entrevistas sociais com os jovens e suas famílias, acompanhamento contínuo e articulação com a rede de proteção social. “É aí que mora o vínculo. Quando a gente escuta, acolhe, orienta e vê o jovem sair de um ciclo de violência, é disso que se trata nosso trabalho.”
Os casos são diversos: desde situações de violência doméstica até insegurança alimentar. Mas há uma linha comum, o cuidado. “A gente busca empoderar o jovem, fazer com que ele e sua família se reconheçam como sujeitos de direito. A roda de masculinidades vem nessa mesma lógica.”
Nessa perspectiva, se abrir não é algo simples. Ainda mais para jovens que cresceram ouvindo que homem não chora, não fala, não sente. E Jorge sabe muito bem disso. “É preciso tempo. Ninguém chega na primeira roda falando da dor. Mas a gente insiste. Porque ver um menino negro se permitindo sentir já é uma revolução”, disse Jorge.

E essa insistência não é comum. Jorge diz que conhece poucas experiências como essa em favelas no Brasil. “É raro. Mesmo na militância, são poucos os espaços que nos permitem discutir o que é ser homem, o que é ser pai, o que é amar. Essa roda é revolucionária porque acontece na favela. É um espaço raro, mas urgente. É ali, no chão da Maré, que a gente começa a pensar novas formas de ser homem, sem violência, sem opressão, com afeto.”
“Se cada jovem sair de uma roda sentindo que pode ser diferente do que disseram que ele deveria ser… já fizemos muito’’, finalizou.
A iniciativa é uma realização do Suporte Social, que faz parte do projeto Maré Unida, realizado pela Luta pela Paz com o patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, através da Lei de Incentivo ao Esporte do Governo do Rio de Janeiro, via Secretaria de Esporte e Lazer.