Entrevista com Jefferson (Shaolin) – Maré Unida
Hoje convidamos você a conhecer um pouco mais sobre uma das quatro organizações que participam da nova formação do Maré Unida, programa de treinamento da Luta pela Paz com patrocínio da Petrobras!
O projeto Recomeçar nasceu do sonho de Jefferson, ex-aluno e atual monitor das aulas de jiu-jitsu da Luta pela Paz., em ser professor. Popularmente conhecido como Shaolin por seus colegas de luta e professores, o jovem conta um pouco mais sobre como está sendo transformar este sonho em realidade:
“Eu sempre tive esse sonho de ser professor. De poder retribuir tudo o que fizeram por mim aqui na Luta pela Paz. Porque até para começar o meu projeto eu tive muito apoio de pessoas daqui, porque eu não tinha dinheiro nenhum para começar o meu projeto, recurso nenhum. No início era só o sonho de um menino que queria ser professor. A gente foi batalhando junto. A gente conseguiu 12 plaquinhas de tatame e fomos dar aula em uma igreja. A maior correria. Até que foi crescendo e crescendo e daí apareceu o Maré Unida que vem com a intenção de qualificar a gente pra que tudo aquilo que a gente pensou não seja só um sonho e um tatame. Agora a gente já tá começando a aplicar a metodologia da Luta pela Paz, que deu super certo, que eu conheci sendo aluno daqui. Hoje meu sonho não é só dar o esporte, mas qualidade de vida para os meus alunos e alunas, passar uma mensagem no final de cada aula. Quem sabe, no futuro, assim, a gente não tem novos “fazedores do bem”? Pessoas com essa mesma idéia de mudar a nossa realidade.”
Há três anos a frente do Recomeçar, Jefferson relembra um pouco da sua trajetória e como ela se mistura à história de seu projeto:
“Tem três anos que eu comecei o Recomeçar, o meu projeto, que é o mesmo tempo que eu comecei a trabalhar como professor. A gente vai quebrando a cabeça, vai perguntando pra quem já tá mais tempo nessa. Acho que é esse o caminho, ser humilde e lutar junto, sem medo de mudar, sabe? Se alguém apontar um erro meu, eu vou ficar feliz em mudar. Porque eu sei que quando alguém comenta algo é porque aquela pessoa que ver a minha melhora. E não só a minha melhora, né?, agora a melhora de todo o projeto, porque não é mais só o Jefferson ali. A gente começou lá com só três alunos e, do nada, logo mais, já eram 40, 60, não dava mais nem pra dar aula direito. Acho que foi muito importante pra mim, nesse início, o apoio dos meus amigos, de quem tava ali do meu lado, meus amigos de treino. Foi uma atitude de família mesmo, minha família do jiu-jitsu. Esse é o papel do esporte na minha vida. A pessoa começa como sua amiga de modalidade ou sua aluna e logo mais já é como se fosse parte da sua família. A gente começa a sonhar juntos o mesmo sonho. Eu tenho só 25 anos e já sou reconhecido como exemplo para algumas crianças e jovens e isso não tem preço. Em cada aluno e aluna você inspira alguma coisa diferente. Muitos destes, mesmo os mais pequenininhos, já querem me ajudar durante a aula… e eu sei que isso só o esporte proporciona. Eu me sinto muito realizado hoje porque eu comecei com um sonho e 12 plaquinhas de tatame e hoje eu tenho o meu projeto, tenho a galerinha que eu graduei. Hoje sou reconhecido na minha comunidade, eu inspiro pessoas. Uma referência boa aqui no nosso território, onde a gente tem muitas referências que não são boas. Eu vou passando na rua e as crianças vem dizer “Tio, tio, eu te vi na televisão muito (Jefferson participou de um dos comerciais da Luta pela Paz) e isso pra mim não tem preço. Eu mesmo, da primeira vez que falaram que tinham me visto na TV, não tinha visto ainda. Até que eu tava passando por um bar que todos meus amigos ficam e vieram me cumprimentar porque o comercial tava passando na hora, disseram “Você faz a diferença aqui na favela”. E eu sei que isso é importante porque acaba trazendo mais pessoas para o esporte e para longe de outros caminhos. E mostra pra quem tá fora da favela que tem muita coisa boa aqui dentro também.“
Já, enquanto representante do Recomeçar nos treinamentos do Maré Unida, Jefferson conta o quanto pôde aprender e ensinar nestes momentos de união e muito trabalho em conjunto:
“No início eu não sabia direito ainda o que eu devia esperar do treinamento do Maré Unida. Cheguei, caí de pára-quedas. Lendo o edital eu vi que era para qualificar projetos aqui da Maré, claro, mas não sabia como seria. E durante o treinamento, eu vi que era muito além disso. É muito importante ter um espaço como este porque a gente se sente seguro, se sente mais vontade de fazer o nosso trabalho. Como eu falei, eu tô há três anos trabalhando com isso e eu tenho meus medos, minha dúvidas e eu não tinha com quem falar. Acho que o Maré Unida é muito importante para isso também, criar essa família de organizações e projetos aqui na Maré. Assim a gente vê que não está nessa Luta sozinho. A gente vai construindo uma base e dessa base que a gente vai estruturando os nossos projetos, buscando novas parcerias que são fundamentais pra gente poder continuar. Tudo isso para deixar de ser só aquele sonho, aquela vontade, pra ser de fato um projeto estruturado, pra realmente atender as pessoas com qualidade, passar uma mensagem de qualidade. Até pra gente trocar idéia entre a gente mesmo. Saber o que tá acontecendo. Os outros projetos acabam tendo mais experiência em alguma área e trocam essa experiência entre a gente pra gente não fazer nenhuma bobagem. Isso é muito importante. Eu acredito que a gente tá levando tudo mais a sério por conta do próprio Maré Unida. A gente fala de tudo aqui, abertamente, eu sinto que é um espaço meu também. A gente tenta melhorar, a gente pede ajuda e a gente ajuda também. Acho que tudo isso tá me ajudando a desenvolver não só o projeto mas também a mim mesmo. Quando eu comecei no Maré Unida, todo mundo falou que eu ia ficar um pouquinho sem tempo pro projeto e realmente eu fiquei, mas é uma coisa boa. Porque aqui eu também estou desenvolvendo o meu projeto, mesmo que eu não esteja dando aula. Com pessoas que acreditam no mesmo ideal que a gente, da forma que a gente faz e que tão aqui para lutar junto de verdade. Eu sei que no meu projeto vai chegar o momento que eu não vou poder estar ali dando aula direto. É meu sonho isso: de um dia a gente crescer a tal ponto que a gente vai estar captando muitos recursos para atender a galera. E cada dia mais gente. De onde a gente veio, a gente já é vencedor, mas a gente precisa melhorar cada dia mais mesmo. A mudança vai ser diária, eu sei. Porque eu estou correndo atrás de melhorar o nosso projeto mesmo. Quero poder ter uma sede com a nossa cara. Com pessoas que falam a nossa língua e lutam por um mesmo ideal ali debaixo do mesmo teto, trabalhando com a gente.”