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Veja nosso artigo de Opinião no jornal O Globo

“Caminhos possiveis”

Adolescentes que cometeram atos infracionais são percebidos como indivíduos descartáveis e de menor valor

Por

Gabriela Peixinho, Diretora da Luta pela Paz

Nara Goes, Gerente de Projetos da Luta pela Paz

Um erro não define quem somos. Essa é uma frase do Gabriel*, um adolescente que passou parte de sua vida em uma unidade de internação de medida socioeducativa, depois de ter perdido a mãe e sua rede de apoio. Atualmente, ele quer prestar concurso público para a polícia militar, assim como seu avô, que foi sua grande referência.

No entanto, assim como Gabriel, muitos outros adolescentes que cometeram atos infracionais, são percebidos como indivíduos descartáveis e de menor valor, e por isso vivem à margem dos direitos estabelecidos.

De longe são números, corpos matáveis e vidas desperdiçadas. Mas ao olhar de perto e conhecer suas histórias, é possível mapear trajetórias comuns de vidas atravessadas por violências e violações de direitos, como racismo, abandono escolar, trabalho infantil, situação de rua, violência doméstica e comunitária. Também é possível conhecer as suas potências, sonhos e habilidades para encontrar alternativas frente às barreiras que enfrentam cotidianamente.

Embora possam ser percebidos avanços na implementação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE no sentido de assegurar a responsabilização e proteger direitos, o período de cumprimento da medida socioeducativa ainda é marcado por dinâmicas punitivas e repressivas. Ruptura de vínculos familiares e comunitários, agravamento de questões de saúde mental, perda de autonomia e da autoestima e, até a morte em alguns casos, são alguns dos impactos percebidos na vida dos adolescentes. Além disso, o retorno para os territórios de origem pode ser afetado por dinâmicas de controle de grupos armados, bem como estigmas decorrentes do histórico de cumprimento da medida.

Isso significa que, uma vez finalizada a medida socioeducativa, o retorno desses adolescentes para o convívio familiar e comunitário demanda esforços intersetoriais que possam garantir o pleno exercício da cidadania e o rompimento com o ciclo de reincidência. E para isso, é preciso discutir a responsabilidade compartilhada entre o Estado, a sociedade civil, a comunidade e os familiares junto ao adolescente nesse período de transição da privação e restrição de liberdade para a trajetória extramuros.

Programas estruturados de acompanhamento de jovens em pós medida ainda são iniciativas escassas no Brasil, mas há experiências que podem ser referenciados para ampliar essa discussão, como o projeto Novas trilhas, executado pela Luta pela Paz em parceria com o governo do estado do Ceará.

Ao longo do último ano, desenvolvemos fluxos de atuação intersetorial e realizamos mais de 2000 atendimentos a 380 jovens e suas famílias em pós cumprimento de medida socioeducativa com o propósito de ancorá-los nas redes de proteção e nos serviços territoriais.

Sem dúvida, o maior investimento foi nos próprios jovens, pois é preciso reconhecer neles a capacidade de fazer escolhas e alcançarem seu potencial. Por isso, buscamos fomentar a autonomia e protagonismo dos jovens no desenho e na condução de novos projetos de vida. Acompanhamos meninos e meninas a se reconhecerem como sujeitos de direito e ampliarem sua rede de apoio. Escutamos deles que era possível sonhar de novo.

Após o primeiro ciclo de atendimento intensivo, 75% dos jovens revelam-se confiantes em relação ao futuro, 88% consideram-se capazes de superar dificuldades e 81% afirmam planejar os próximos passos para atingir objetivos pessoais. Nessa trilha, foram construídos aprendizados importantes frente aos desafios e à complexidade do trabalho. Experiências como a do estado do Ceará demonstram que vontade política e a participação da sociedade civil nas políticas públicas podem produzir as condições necessárias para a garantia da vida desses jovens e o acesso a possibilidades concretas de construção de novos caminhos.

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